A Cavalgada da
Pedra do Reino reproduz um ciclo secular, onde a vida e a arte se alternam. A
origem da festa é o Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do
Vai-e-Volta, a obra-prima, no campo literário, de Ariano Suassuna. O eixo
central do romance de Ariano Suassuna gira em torno do movimento sebastianista
que, iniciado em 1835, culminou, nos dias 14, 15 e 16 de maio de 1838, com o
sacrifício de trinta crianças, doze homens, onze mulheres e quatorze cachorros.
A história, porém, não é tão simples. O desaparecimento do rei português Dom Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, travada, em 1578, no norte da África, entre mouros e cristãos, transformou-se num sonho de redenção para as populações pobres do império lusitano. Acreditava-se que D. Sebastião – um rei guerreiro, casto e bondoso – ressuscitaria e promoveria a redenção espiritual e econômica dos desfavorecidos, eliminando a nobreza e distribuindo suas terras e suas riquezas.
O mito sebastianista, após conquistar as mentes e os corações lusitanos, cruzou o Atlântico a bordo das caravelas e, encontrando terreno fértil na forte religiosidade popular que aqui floresceu, transformou-se num dos temas principais da literatura de cordel. Nas primeiras décadas do século 19, um desses folhetos, de autor desconhecido, foi parar nas mãos do mameluco João Antônio dos Santos, morador nas cercanias da Pedra Bonita.
Dizia o poeta anônimo, que Dom Sebastião retornaria ao reino dos vivos para fundar um império universal. Além disso, profetizava que “quando João se casasse com Maria, aquele reino se desencantaria”. Apaixonado por uma certa Maria, cujo pai negara-lhe a mão da filha por ser ele, João, de origem humilde, o mameluco vislumbrou no folheto a possibilidade de alcançar a felicidade.
Corria o ano de 1836. João, carregando nas mãos duas pedrinhas brilhantes e, no bolso, o folheto de cordel, percorreu o sertão do Pajeú pregando uma nova utopia: a ressurreição de Dom Sebastião e a criação de um reino de justiça, prosperidade e liberdade. As duas pedras gigantes da Serra do Catolé, segundo ele, transmudar-se-iam nas torres da catedral, ou castelo, do novo reino. À sombra das pedras – a maior, com 33 metros de altura e, a menor, com 30 – João Antônio, à frente de grande romaria, fazia seus discursos.
A agitação promovida pelo mameluco despertou receios junto à Igreja católica e aos fazendeiros da região. O vigário de Flores, à qual estava subordinada em termo a Comarca de Villa Bela, após intensa busca, encontrou o pregador sebastianista que, após severa repreensão, desapareceu do Pajeú. Ocorre que João Antônio, “exilado” no Ceará, mantinha acesa a chama sebastianista através de seu cunhado, João Ferreira, que permanecera próximo às pedras, arregimentando novas legiões de fiéis.
No que tinha João Antônio de esperto, tinha em dobro João Ferreira em fanatismo. O novo líder exigiu o tratamento de “Rei” e instaurou a poligamia – ele próprio chegou a ter sete mulheres. Casando e batizando através de um falso padre, João Ferreira criou um ritual segundo o qual todas as noivas dormiriam com ele a primeira noite, para que fossem “dispensadas”. Por ordem dele, ninguém podia tomar banho nem lavar as roupas, até o desencantamento do rei Dom Sebastião. A alucinação coletiva era garantida, além da pregação religiosa, por uma beberagem chamada “vinho encantado”, composto fitoterápico à base de jurema e manacá.
João Ferreira atingiu o ponto máximo do delírio quando anunciou que Dom Sebastião só desencantaria quando as pedras fossem lavadas com sangue. Os sacrificados – prometia ele – ressuscitariam poderosos e imortais; os velhos voltariam como moços; os pobres ficariam ricos e os negros se transformariam em brancos (isto é, em homens livres). A carnificina realmente banhou de sangue as duas pedras. O pai de João Ferreira foi o primeiro a imolar-se. Isabel, uma das mulheres do líder, foi degolada pelo próprio marido.
O cunhado de João Ferreira, Pedro Antônio, revoltado, anunciou que Dom Sebastião, para ressuscitar, reclamava a presença de João Ferreira. Incitada, a multidão matou João Ferreira, dando margem à autoproclamação de Pedro Antônio como o novo líder da Pedra do Reino. Alertados pelo vaqueiro José Gomes, que assistira aos primeiros sacrifícios, o major Manuel Pereira da Silva, comandando uma tropa de 30 homens fortemente armados, chega à Pedra Bonita no dia 18 de maio e, após uma refrega com os fanáticos, com um saldo de trinta fiéis mortos, inclusive Pedro Antônio, pôs fim ao reinado de sangue.
Os fatos sangrentos de Pedra Bonita renderam alguns dos momentos majestosos da historiografia e da literatura brasileiras. No primeiro caso, um dos documentos mais importantes é Memória Sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado na Comarca de Villa Bella, Província de Pernambuco, escrito, em 1875, por Antônio Áttico de Souza Leite. Em 1938, José Lins do Rego escreve Pedra Bonita, um de seus belos romances. Araripe Júnior, em 1974, lança O Reino Encantado. E, em 1971, Ariano Suassuna lança, ao que parece, a obra definitiva – o Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.
A história, porém, não é tão simples. O desaparecimento do rei português Dom Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, travada, em 1578, no norte da África, entre mouros e cristãos, transformou-se num sonho de redenção para as populações pobres do império lusitano. Acreditava-se que D. Sebastião – um rei guerreiro, casto e bondoso – ressuscitaria e promoveria a redenção espiritual e econômica dos desfavorecidos, eliminando a nobreza e distribuindo suas terras e suas riquezas.
O mito sebastianista, após conquistar as mentes e os corações lusitanos, cruzou o Atlântico a bordo das caravelas e, encontrando terreno fértil na forte religiosidade popular que aqui floresceu, transformou-se num dos temas principais da literatura de cordel. Nas primeiras décadas do século 19, um desses folhetos, de autor desconhecido, foi parar nas mãos do mameluco João Antônio dos Santos, morador nas cercanias da Pedra Bonita.
Dizia o poeta anônimo, que Dom Sebastião retornaria ao reino dos vivos para fundar um império universal. Além disso, profetizava que “quando João se casasse com Maria, aquele reino se desencantaria”. Apaixonado por uma certa Maria, cujo pai negara-lhe a mão da filha por ser ele, João, de origem humilde, o mameluco vislumbrou no folheto a possibilidade de alcançar a felicidade.
Corria o ano de 1836. João, carregando nas mãos duas pedrinhas brilhantes e, no bolso, o folheto de cordel, percorreu o sertão do Pajeú pregando uma nova utopia: a ressurreição de Dom Sebastião e a criação de um reino de justiça, prosperidade e liberdade. As duas pedras gigantes da Serra do Catolé, segundo ele, transmudar-se-iam nas torres da catedral, ou castelo, do novo reino. À sombra das pedras – a maior, com 33 metros de altura e, a menor, com 30 – João Antônio, à frente de grande romaria, fazia seus discursos.
A agitação promovida pelo mameluco despertou receios junto à Igreja católica e aos fazendeiros da região. O vigário de Flores, à qual estava subordinada em termo a Comarca de Villa Bela, após intensa busca, encontrou o pregador sebastianista que, após severa repreensão, desapareceu do Pajeú. Ocorre que João Antônio, “exilado” no Ceará, mantinha acesa a chama sebastianista através de seu cunhado, João Ferreira, que permanecera próximo às pedras, arregimentando novas legiões de fiéis.
No que tinha João Antônio de esperto, tinha em dobro João Ferreira em fanatismo. O novo líder exigiu o tratamento de “Rei” e instaurou a poligamia – ele próprio chegou a ter sete mulheres. Casando e batizando através de um falso padre, João Ferreira criou um ritual segundo o qual todas as noivas dormiriam com ele a primeira noite, para que fossem “dispensadas”. Por ordem dele, ninguém podia tomar banho nem lavar as roupas, até o desencantamento do rei Dom Sebastião. A alucinação coletiva era garantida, além da pregação religiosa, por uma beberagem chamada “vinho encantado”, composto fitoterápico à base de jurema e manacá.
João Ferreira atingiu o ponto máximo do delírio quando anunciou que Dom Sebastião só desencantaria quando as pedras fossem lavadas com sangue. Os sacrificados – prometia ele – ressuscitariam poderosos e imortais; os velhos voltariam como moços; os pobres ficariam ricos e os negros se transformariam em brancos (isto é, em homens livres). A carnificina realmente banhou de sangue as duas pedras. O pai de João Ferreira foi o primeiro a imolar-se. Isabel, uma das mulheres do líder, foi degolada pelo próprio marido.
O cunhado de João Ferreira, Pedro Antônio, revoltado, anunciou que Dom Sebastião, para ressuscitar, reclamava a presença de João Ferreira. Incitada, a multidão matou João Ferreira, dando margem à autoproclamação de Pedro Antônio como o novo líder da Pedra do Reino. Alertados pelo vaqueiro José Gomes, que assistira aos primeiros sacrifícios, o major Manuel Pereira da Silva, comandando uma tropa de 30 homens fortemente armados, chega à Pedra Bonita no dia 18 de maio e, após uma refrega com os fanáticos, com um saldo de trinta fiéis mortos, inclusive Pedro Antônio, pôs fim ao reinado de sangue.
Os fatos sangrentos de Pedra Bonita renderam alguns dos momentos majestosos da historiografia e da literatura brasileiras. No primeiro caso, um dos documentos mais importantes é Memória Sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado na Comarca de Villa Bella, Província de Pernambuco, escrito, em 1875, por Antônio Áttico de Souza Leite. Em 1938, José Lins do Rego escreve Pedra Bonita, um de seus belos romances. Araripe Júnior, em 1974, lança O Reino Encantado. E, em 1971, Ariano Suassuna lança, ao que parece, a obra definitiva – o Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.
Fonte: P.
Belmonte.